No ano em que comemoro 20 anos de vida sem fronteiras sinto que a minha vida tem material suficiente para escrever um livro com muitos capítulos, uns divertidos, outros surpreendentes, outros aborrecidos, desafiantes e até tristes. A vida sem fronteiras tem muito de gratificante e belo e não a trocava por nada mas também tem os seus momentos de desespero, de saudade imensa, de solidão e de introspecção. Em cada país (e já lá vão 5 no currículo) tem sido um sem fim de peripécias mas aquele que mais me marcou até hoje foi a China.
Partimos para a China no verão de 2015 e vivemos 3 anos completos na capital – Pequim. A ida para Pequim foi carregada de emoção porque já estava a viver em Portugal há 5 anos (e estava desejosa de sair novamente), porque, pela primeira vez, ia levar comigo os meus dois filhos e porque, convenhamos, China é China. Que destino exótico e que cultura tão diferente da nossa…e que dizer da língua?
Um sem fim de dúvidas existenciais apoderou-se de mim bem cedo. Era a primeira vez que estaria a viver tanto tempo fora de Portugal sem trabalhar, “só” como acompanhante do meu marido, e teria pela frente um desafio gigantesco de fazer de Pequim o nosso novo lar. Os primeiros dois meses passaram a correr porque tive a ajuda preciosa dos meus pais. Ajudaram-me a cuidar dos miúdos, iam comigo às compras, juntos limpámos e organizámos o apartamento, etc. O momento mais difícil foi passar a viver longas horas num país que não me compreendia, que eu não compreendia e, ainda assim, mostrar-me animada e pronta para a aventura.
Lembro-me bem do sentimento de alívio quando saí da escola onde trabalhava em Matosinhos. Naquele dia de finais de junho eu respirei fundo e abri o coração à nova vida que eu tanto ansiava viver mas, três meses depois, enfiada num apartamento estranho, num condomínio gigantesco com vizinhos desconhecidos, com uma criança de 2 anos para cuidar, a servir de motorista a outra criança de 8 anos, a limpar e a cozinhar e sem outras perspetivas de futuro, o meu coração afundou. O que é que eu estava ali a fazer? Tinha deixado a minha carreira para isto?
Nesse dia percebi que só seria feliz na minha nova vida se arranjasse um propósito que fosse além do papel de mãe e dona de casa. Longe estavam os dias de professora mas havia caminho pela frente e foi aí que decidi voltar a estudar. O primeiro passo foi arranjar tempo para mim, por isso inscrevi a mais nova na creche e passei a ter 2 (e depois 3) dias por semana livres. Nesses dias não deixei de ser mãe, dona de casa e motorista mas passei também a ser estudante. O maior desafio da minha vida em Pequim passou a ser estudar mandarim. Na capital chinesa não faltam institutos e escolas de línguas com cursos mais ou menos intensivos, aulas individuais ou em grupo. Eu optei por ter aulas 3 vezes por semana (3 horas por dia) e em grupo pois o meu outro objetivo para me sentir feliz era conhecer pessoas.
Quando sais da tua zona de conforto e só tens por companhia (a maior parte do dia) uma criança de 2 anos, chega a um ponto que desesperas por conversas de “adultos” que não envolvam fraldas, sestas, papas e jogos e músicas infantis. Eu também precisava de ter amigos com quem falar de tudo e de nada, para tomar um café, visitar um mercado ou um museu. Essa rede de suporte (físico e mental) é fundamental. Normalmente no nosso país temos a família por perto e quando vamos para fora temos de procurar esse grupo de suporte que nos ajuda a enfrentar as dificuldades com uma palavra de alento ou um convite para almoçar. São coisas simples que me têm ajudado a ser mais feliz por onde tenho passado.
Durante dois anos e meio tive uma professora excelente que me ensinou a língua e me mostrou uma China que eu desconhecia. Saber falar “meia dúzia” de frases e entender outras tantas abriu-me muitas portas e muitos sorrisos e o melhor de tudo: fiz amizades para a vida com as minhas companheiras de estudo. Vocês conseguem imaginar a nossa felicidade de cada vez que conseguíamos entender uma placa ou notícia? De cada vez que passávamos um exame ou líamos um texto? É uma sensação indescritível.
Há 3 anos que não pratico o meu mandarim e a maior parte infelizmente está esquecida. Eu que até já lia e escrevia os caracteres chineses que ninguém entende e que tanto gozo me davam a desenhar, tenho saudades desses dias e do desafio a que me propus. Mas fica a dica para todos os que decidam um dia viver uma vida sem fronteiras: aprendam a língua do país onde vivem. A comunicação é imprescindível para o trabalho, para andar nos transportes, para ir às compras, para comunicar com os professores dos vossos filhos, para comer fora, etc., principalmente se viverem num país onde a esmagadora maioria da população não domina outra língua que não a sua. Acreditem que vale a pena o esforço e torna o vosso dia a dia muito mais fácil. E faz maravilhas à vossa autoestima!
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Boa ideia essa de aprender a língua do país em que se vive
Compreendo todas as tuas palavras, e as tuas dicas são úteis pois eu mesma no terceiro mundo tento me contrariar de estar fechada em casa, tento conhecer o povo cultura, cultura que por vezes custa compreender, mas é o Uganda e tenho sorte pela língua ser o inglês, há momentos que tudo lembra ,deixar tudo e viver por vezes na solidão é um grande desafio, mas por amor penso que tudo se faz e o gosto de ver o mundo, ainda bem que tiveste o apoio dos teus queridos pais, e como motivação maior os teus filhos. Consegues transmitir bem as mudanças que esta vida nos oferece, e o que seria da vida sem desafios?…Simplesmente um vazio, penso eu.
Voa e descobre o mundo, pois eu acho que realmente o melhor meio para o fazer é a comunicação.
Muito sucesso, para o teu livro.