Violência contra as mulheres: a outra pandemia do Reino Unido

Vanessa Mendão

Um dos maiores problemas que o Reino Unido tem e que é pouco mencionado tanto nacional como internacionalmente, é a violência contra as mulheres. Tanto dentro como fora de casa. Por parceiros, estranhos e agentes da autoridade.

A violência que as mulheres sofrem aqui aumentou drasticamente durante a pandemia – tal como em tantos outros países. Durante o primeiro mês de lockdown (Março de 2020) 16 mulheres foram assassinadas pelos seus parceiros: 3 vezes mais do que em Março de 2019 e o número mais elevado em 11 anos. 

Um desses casos foi o de Daniela Espirito Santo, 23 anos, que denunciou o namorado à policia 7 vezes no mesmo ano. Dois desses telefonemas foram feitos duas horas antes ser encontrada morta no sofá, com o bebé de 7 meses nos bracçs. A policia seguiu todos os protocolos e afirma que fez tudo o que devia ter feito.

A última chamada de Daniela não foi considerada urgente, apesar de o namorado ter sido detido nesse mesmo dia por a ter agredido violentamente. Foi posto em liberdade depois de pagar a fiança. O namorado foi condenado a 10 meses de prisão por agressão. Faltaram provas que essas agressões levaram à morte Daniela. 

Em Novembro de 2020, durante o segundo lockdown, o governo investiu quase 11 milhões de libras num fundo para o apoio a vítimas de violência. 

Em Janeiro de 2021, durante o terceiro lockdown, o governo anunciou uma parceria com as farmácias do país para ajudar potênciais vítimas de violência doméstica através de espaços privados e seguros com opções para contactar a polícia. 

As medidas não funcionaram e em Abril de 2021 entrou em vigor o Domestic Abuse Act com o objetivo de alterar as estratégias, proteger as sobreviventes de violência doméstica, e aumentar as medidas para gerir o comportamento dos agressores. 

E depois dos lockdwns?

Um ano depois, em Março de 2021, a violência saiu à rua e voltou a destapar o que durante mais de um ano se escondeu dentro de muitas casas.

Vários casos mais mediáticos nos ultimos meses têm revelado que a agressividade masculina afeta a segurança das mulheres, a sua confiança tanto nelas próprias, como nas instituições que deveriam velar pela sua proteção. 

Sarah Everard, 33 anos, foi sequestrada, violada e assassinada por um polícia que a deteve por alegadamente quebrar regras relacionadas com a COVID. Meteu-a no carro mas em vez de a levar para a esquadra, levou-a para um descampado. Sarah pagou com a vida pela ousadia de ir sózinha e a pé para casa. Este caso coloca em evidencia uma cultura misoginista, sexista e altamente tóxica dentro da Met Police (entre outras instituições).

Grupos de whatsapp onde polícias do sexo masculino partilhavam as suas intenções, os seus desejos e as suas agressões. O homem que assassinou Sarah Everard tinha uma alcunha: o violador. Tinha tambem vários acusações por exibicionismo. Tudo isto era sabido no meio. Era também protegido pelos seus. Esperemos que passe o resto da vida atras das grades, como ditou a sua sentença. 

Dias depois, Sabina Nessa, professora de 36 anos teve o atrevimento de, tal como Sarah, ir a pé para casa. Sozinha. O corpo foi encontrado mais de 24 horas num parque de estacionamento entre a escola onde trabalhava e a sua casa. 

As manifestações depois destes acontecimentos acabaram com mulheres agredidas  e detidas pela polícia por protestarem precisamente contra a violência policial.

O Police Me Too, é uma plataforma criada recentemente onde mulheres partilham casos de violência física e emocional às maos dos seus parceiros, todos eles agentes da autoridade.O caso mais antigo é de 1968, o que revela uma situação que não só não melhora, como parece piorar ano após ano. 

Durante campeonatos de futebol, o número de casos de violência doméstica aumenta exponencialmente. Uma campanha do Centro Nacional contra a Violencia Domestica mostrou as estatisticas: 26% de aumento das agressões quando Inglaterra ganha. 38% quando perde. 

Violência contra as mulheres: a outra pandemia do Reino Unido

Estratégias questionáveis e ‘victim blaming’

A estratégia dos diversos ramos da polícia para lidar com este problema atingem níveis de incompetência inimagináveis. As mulheres tem que ser mais espertas, disse o chefe da polícia de North Yorkshire (demitiu-se dias depois). Uma mulher a quem um policia a paisana se dirija, pode telefonar para a esquadra e pedir confirmação de que o agente em causa é efetivamente um polícia (como se isso tivesse feito alguma coisa por Sarah Everard). Se uma mulher se sentir intimidada na rua, pode chamar um autocarro. Estratégias que qualquer mulher sabe que são apenas manobras de distração da opinião pública e uma forma de culpabilizar as mulheres pelos crimes de que são vítimas. 

Tudo isto para esconder o verdadeiro problema. A aceitação de atitudes violentas desde cedo. A escalada de comportamentos que são ignorados e menosprezados até ser demasiado tarde. 

É urgente uma estratégia educativa e comportamento que mostre desde cedo que qualquer tipo de violência é inaceitável mas que dê um especial foco aos casos de violência domestica e violência contra as mulheres. 

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