Este ano houve uma série de situações que levaram a que a viagem para a minha terra fosse diferente do habitual. Fui da Alemanha para o Porto de carro, apenas acompanhada pela minha cadelinha que tem pavor a porões de avião.
Marquei inicialmente 3 semanas de férias e depois prolonguei 1 (fica a dica para quem tem de negociar bem com a chefia o tempo que está ausente: 3+1 não é bem igual a 4! Parece que assusta menos do que dizer à partida que se quer ter 4 semanas de férias!)
O meu marido, que por razões profissionais passa muito tempo em Portugal (a vida tem ironias engraçadas: ele é o alemão que trabalha grande parte do tempo em Portugal e eu sou a portuguesa que trabalha na Alemanha!) e os
meus dois filhos, cujas férias escolares tinham começado há já 2 semanas, já estavam no Porto.
Memórias que ficam para sempre
Eles, os miúdos, verdadeiramente de férias (o pai também ainda tinha que trabalhar!) nos mimos da avó que, como muitas avós portuguesas, especialmente as que só vêem os netos de vez em quando, cumpre com satisfação todos os desejos dos cachopos e me liga à noite a contar as aventuras do dia e a dizer que os miúdos são demasiado destemidos porque não têm medo nenhum do mar.
E é nesta altura que o mais novo (9 anos) pede para falar comigo e me diz em alemão que a avó é muito “chata” quando se põe a chamá-los da areia para não irem para mais longe mesmo quando a água do mar ainda só lhes dá pelo meio da coxa.
“Ele que te disse? Eles põem-se a falar contigo em alemão quando querem fazer queixinhas minhas. É por causa da água, não é? Eles querem ir sempre para mais longe!”
Cenas que se repetem e que acabam invariavelmente comigo a relembrar-lhe que a Praia de Matosinhos é calminha, que os miúdos sabem nadar bem e com ela a assegurar-me que é a única praia para a qual ela os leva porque é preciso ter muito cuidado e as outras têm rochedos.
Quem ouve as descrições da minha mãe fica com a impressão que para aí 20% da população portuguesa terá morrido afogada numa qualquer praia de maré vaza enquanto molhava a ponta dos pés!
E assim chegou o dia da partida! Carro cheio de coisas para levar, cadela a saltar alegremente para a mala do carro (qual porão, qual quê?) e a minha playlist com uma quantidade generosa de rock português dos anos 80 – quem leva Jorge Palma, Sérgio Godinho, Rádio Macau e muitos outros não vai sozinha!
É uma verdadeira empreitada fazer cerca de 2500 Km por esse mundo fora, este ano com alguma apreensão devido à situação especial da pandemia. Mas mesmo difícil de concretizar a viagem para a minha terra aconteceu.
A viagem para a minha terra
Chegar à primeira fronteira (no meu caso é a da Alemanha com a Bélgica) é sempre um marco (25% das fronteiras cumpridas, já só faltam 3! Vamos a isto!).
Entrar em Paris é uma boa sensação de alguma proximidade, ainda que falte mesmo “muuuuiiiito” e é familiar constatar que a cidade é sempre aquele caos de trânsito (já a atravessei em horários diferentes mas nunca consegui fazê-lo sem parar numa qualquer fila). Pernoitei em Tours que é uma cidade muito simpática, que infelizmente desta vez não pude apreciar devidamente porque já cheguei a horas impróprias e o único desejo era mesmo dormir para no dia seguinte seguir viagem!
E assim foi, 7 da manhã e o objetivo era chegar a Bordéus até às 11h…pois, não foi bem assim…e depois de Bordéus continuou sem ser assim porque parecia que a França inteira queria ir para Biarritz!
A entrada em Espanha acabou por acontecer apenas muito próximo das 17h, depois de algumas promessas a mim própria de que nunca mais volto a fazer a viagem de carro! (estas são as promessas que não são para cumprir realmente…)
Entrada em Espanha
Gosto muito da entrada em Espanha pela monumentalidade dos Pirinéus do Atlântico e pelo contraste incrível que existe posteriormente com a aridez espanhola que se espalha ao longo do país.
Atravessei uma Espanha que parecia estar ali só para mim, deserta, com um pôr do sol incrível e ainda sem a certeza de que chegaria naquele dia ao Porto mas a primeira placa que te anuncia que estás a dirigir-te para Portugal dá-te muito alento para acreditares que já irás dormir a Portugal!
Parei numa estação de serviço espanhola poucos quilómetros antes da fronteira portuguesa – precisava de reforçar os níveis de cafeína e também não resisti ao aspeto maravilhoso de uma tortilha que me estava a espicaçar o apetite…
A chegada com Rui Veloso
A sensação de ver a placa que te anuncia que estás em território português é incrível, acho que é um sentimento que só os emigrantes podem compreender na sua plenitude. Conheço emigrantes que vivem num permanente estado de saudosismo. Eu não pertenço a esse grupo mas mesmo assim não consigo não ficar emocionada quando a vejo. Curiosamente, poucos minutos depois, o Rui Veloso obriga-me a prolongar a nostalgia e a humedecer ainda mais os olhos “quem vem e atravessa o rio…”
É a última etapa da minha viagem, já deixei Trás-os-Montes e o Minho para trás, já estamos no Douro Litoral.
A cadelinha também sente que estamos perto, espreita-me da mala do carro e parece avisar-me para não carregar demasiado no pedal “vê lá se cumpres o limite de velocidade, depois de 2500 Km de viagem não queres ter um acidente em Ermesinde, pois não?” e pelo sim, pelo não volta para a caixa de transporte dela…
A placa que me indica “Porto Centro” já se vê ao fundo, ligo ao meu marido a dizer que preciso de 5 minutos e ouço-o a dizer aos miúdos que estou a chegar.
Já estou mesmo muito pertinho, desço a Rua de Camões e não resisto aos Aliados. É um Porto muito diferente de outros anos para um sábado à noite às 2h da manhã. Subo a Trindade, estou agora a uns 100 metros de casa. A noite está incrível, quente, há pouca gente nas ruas mas os poucos que há fazem alguma festa. Na varanda do nosso apartamento vejo-os aos 3, relaxados, a festejarem a nossa chegada!
Estou finalmente em casa!
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