Ser pai no estrangeiro

Bernardo Ramirez

A aventura de ser pai é uma experiência única. Qualquer ser humano que seja pai ou mãe dirá, aos futuros interessados, que tudo mudará a partir do momento em que se traz uma vida ao mundo. Mas, quando essa decisão é feita por um casal de emigrantes, os desafios são multiplicados por muitos por cento. Ser emigrante e pai é um esforço incalculável, ser pai no estrangeiro não é para fracos.

Quem te avisa teu amigo é

Acho que vou recordar para sempre uma conversa com um querido amigo e colega de universidade sobre a paternidade. Nessa altura ser pai era ainda só um vislumbre distante e indefinido, mas sempre tinha tido esse desejo em mim. E eu estava habituado ao: “não há experiência mais valiosa que ter filhos”, ou “é a melhor coisa do mundo”, ou “não há amor maior”. 

Mas todas essas partilhas vinham sempre com uma carga positiva muito forte, e este meu amigo agora estava a dizer-me algo que nunca tinha pensado. “Epá, não dormimos há vários anos uma noite seguida”, ou “é uma carga de trabalhos que não imaginas”.

Claro que ele também falava das coisas positivas e do amor que tinha pelas suas crianças, mas sempre senti que ele tinha sido a primeira pessoa a listar com objectividade os desafios e os custos que a paternidade/maternidade incluí. 

Aquelas palavras não alteraram em nada a minha decisão de ser pai, mas serviram-me de inspiração para muitas vezes depois ser muito cuidadoso quando falo da minha experiência como pai e quando me perguntam como é que se percorre essa aventura. 

E depois fomos pelo mundo

Por razões que não importam a esta história, a minha mulher e eu decidimos ser emigrantes. Antes de nos termos casado já tinha vivido em outro país. E quando nos casamos ainda escolhemos um terceiro país. 

Ambos sabíamos que queríamos ser país, mas nenhum tinha pressa (bem eu talvez mais do que ela). Tínhamos a segurança de saber que o momento chegaria e deixamos que a vida se desenrolasse com tranquilidade. A prioridade nesse momento era ser emigrante e não tanto ser pai. 

O certo é que a determinado momento da nossa estadia nesse primeiro país acabámos por ter de nos deslocar de novo para um outro país. E, como tudo o que se inicia de novo, foi preciso algum tempo para nos voltarmos a habituar. 

Parece um pouco pateta (a ler estas linhas por aqui), mas realmente para tudo é preciso tempo. Até para chegar. E, apesar de ambos desejarmos filhos, sabíamos que esse tempo era prioritário. E que primeiro era preciso sentir que estávamos cá e que tínhamos as condições, tanto emocionais, como físicas e financeiras, para dar início a esse novo projecto. 

Agora, a viver na cidade com maior número de árvores por habitante da Europa, numa cidade que adoramos, ambos com estabilidade financeira, sentimos que o momento era o certo para dar início ao projecto da paternidade. 

Ser pai no estrangeiro

O que nós não sabíamos

Muitos irão dizer que fui ingénuo, que realmente era evidente, que bastava pensar um pouco, mas a verdade é que não estava preparado. Ou até, atrevo-me a dizer, não estávamos preparados.

O nascimento e os primeiros anos de vida de uma criança são uma experiência que mistura de forma subtil e um pouco aleatória, alegria, dor, desespero, entusiasmo, cansaço, amor. Começam por ser as noites não dormidas, a sensação de desconhecimento total do que é cuidar de um ser vivo, a dificuldade em cumprir tarefas básicas do dia a dia, como a limpeza da casa ou a higiene pessoal. 

Mas depois progridem para novos desafios: como manter um semblante de vida própria ou autonomia, como equilibrar o bem estar deste pequeno ser com o teu pessoal, como conseguir trabalhar e ainda cuidar desta nova vida.

E sobre esses desafios surge talvez o maior: quando essa experiência ocorre longe das tuas pessoas, o emigrante e pai fica confrontado com um desafio ainda maior.

Não me esqueço de falar com os meus cunhados (que tiveram gémeos um par de meses antes do nosso primeiro filhos) e de eles deixarem os seus filhos (umas semanas depois do seu nascimento) com os avós enquanto iam… Iam ao super, ou dormir, ou jantar, ou tomar duche, ou o que fosse. E lembro-me com uma clareza inexplicável da inveja gigante que senti desse pequeno instante de liberdade que a nós não era oferecido. 

Sim, realmente o nosso filho também tinha chegado com um conjunto de desafios adicionais, ou éramos nós os pais de primeira jornada, mas durante seis meses o nosso filho não passou mais que umas horas longe de nós. E nunca longe dos dois pais ao mesmo tempo.

A primeira vez que fomos jantar sozinhos foi quando nesse verão, fomos de férias a Portugal e os avós ficaram um serão com o nosso rapaz para irmos os dois jantar. 

Nem tão longe, nem tão perto

Há uma frase que adoro que diz: “Os sogros e os pais, não devem estar tão longe que sejam precisas malas, nem tão perto que possam vir de pijama” e acredito profundamente nessa medida. Ter pais perto o suficiente para deixar os filhos, ou que possam vir eles, sem malas e viagens, é uma benção.

Ser pai no estrangeiro

E não digo só pais, digo sistema de suporte. Amigos próximos em quem confiem para deixar os vossos filhos. Amigos que tenham tempo e paciência também, claro. Que não é um trabalho para todos. 

Mas, claro que o sistema de suporte assenta principalmente na família. Os amigos são importantes e valiosos, mas a família tem uma pré-disposição para cuidar e para ficar que é parte da condição de se ser família. 

Parece talvez um detalhe para alguns, uma coisa menor e sem importância. Mas ter pessoas para poderem ficar com a vossa criança é fonte de saúde mental, de bem estar, de tranquilidade e até de liberdade.

Ser pai no estrangeiro

Ser pai no estrangeiro é como aquelas experiências onde se põem mentos dentro de bebidas com gás: tu já sabes ao que vais mas ficas sempre surpreendido com a explosão. Quando se tem um filho nunca se sabe como vai ser. Pode ser um bebé que durma tranquilo, ou uma criança que invoque o demónio do mal a cada noite.

Podem ter um filho que coma tudo, e outro que pinte as paredes de papa. Uma criança que cante afinada sozinha no quarto, ou uma que grite correndo desalmadamente pelo corredor da casa.

Mas, seja que tipo de criança for, o ser-se pai no estrangeiro amplia tudo, torna tudo um pouco maior. O cansaço maior, a frustração maior, a solidão maior, as lágrimas maiores. 

Por isso, se queres ser pai no estrangeiro lembra-te: não é uma aventura para fracos!

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2 comentários em “Ser pai no estrangeiro

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  1. Fiquei intrigada com a cidade com mais árvores por habitante. 😁

    Quanto à maternidade no meu caso tive a sorte de ter a minha mãe connosco os dois primeiros meses de vida do meu filho. E a partir do terceiro mês contratamos uma ama. De certa forma a minha experiência nunca foi a de que não tinha alternativa para deixar a criança. Temos a sorte do custo de uma ama na Bulgária não ser muito elevado, por isso é muito comum. Agora que ele já está maiorzinho a ver se começa a fazer tb sleepovers em casa de amigos. 😅

    Mas lembro-me bem a primeira vez que saí sozinha à rua depois de ser mãe. Acho que ainda de ter sido no primeiro mês. Mas foi uma sensação tão estranha como libertadora.

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