Este ano, no dia 26 de Dezembro de 2023, será o 19º aniversário do grande Tsunami do Oceano Índico de 2004, o mais mortífero da história até à data. Eu sou uma das sobreviventes e tinha apenas treze anos na altura.
A nossa pequena família de quatro tinha emigrado para Macau em 1998, vinda de Angola. Há quase sete anos que não tínhamos um Natal quente e, em 2004, fomos de férias para a Tailândia com esse propósito. Passámos uma semana em Bangkok, onde aproveitámos para fazer uns exames médicos de rotina, e outra semana em Khao Lak para disfrutar da praia.
Foi em Khao Lak que tivemos o nosso último Natal juntos, eu e os meus pais. O meu irmão permaneceu na Austrália onde estudava, devido a um joelho fracturado que o impediu de voar e passar o Natal connosco. Mas eu não pude deixar de estar feliz pois tinha completado a minha certificação de mergulho PADI nesse mesmo dia. Sempre tive uma paixão pelo mar, de modo que este presente dos meus pais foi muito especial para mim. Há quem diga que o curso terá contribuído para a minha sobrevivência.
O jantar nesse dia também foi especial, peixe grelhado à moda portuguesa, simplesmente com sal e azeite. O meu pai, muito carismático, facilmente fazia amizades por onde fosse. Nesta viagem não foi diferente. Ele fez amizade com o cozinheiro do nosso resort e ensinou-lhe como temperar o peixe. Algo que foi muito bem recebido e apreciado. Pareceu-nos ser costume Tailandês grelhar o peixe sem o temperar. Em Khao Lak peixe fresco não falta. A economia depende do Turismo e da Pesca. Como portugueses a viver em Macau, onde não tínhamos peixe assim, comer um peixe tão belo semsabor parecia-nos um desperdício. Felizmente, pelo menos para nós, o cozinheiro estava disposto a aprender. Lembro-me de o ver vir até à nossa mesa, com um sorriso de orelha a orelha e um grande e delicioso peixe, feito à nossa maneira. À parte disso, da festa de Natal no nosso resort, apenas os elefantes ficaram na memória.
No dia seguinte, 26 de Dezembro, acordámos tarde e, após alguns empecilhos, lá conseguimos chegar à praia. Foi estranho não ver água mas, infelizmente, lá ficámos. A onda veio. A princípio não percebemos o que estava a acontecer. Ninguém à nossa volta, na praia, entendeu o perigo que estávamos prestes a enfrentar. Até que foi tarde demais.
A história da minha sobrevivência é longa. Relatei-a, mais recentemente e em maior detalhe, para o podcast da Inês Castel-Branco “Inacreditável”. É o primeiro episódio do podcast, entitulado: “Sobreviver A Um Tsunami”. Escrevi também um livro, em inglês, lançado em Setembro deste ano (2023), onde relato a minha aventura ainda em maior detalhe. Nele incluí as minhas memórias de infância em Angola, em Macau e, depois do tsunami, em Portugal. Assim, como a razão da minha emigração para os EUA em 2017, onde agora resido. No livro, menciono também, a oportunidade que tive, graças à RTP, de retornar a Khao Lak e presenciar em 2014 as celebrações (se é que assim se pode dizer) do 10º aniversário do tsunami.
Aprendi muito com essa visita. Pude conhecer outros sobreviventes, ouvir outras histórias e perspectivas, assim como revivênciar alguns momentos da minha própria experiência. E tudo isso foi bom. Eu sei que pode parecer estranho, mas eu senti muita paz durante a nossa visita em 2014. Por um lado foi o fechar de um ciclo e, por outro, o relembrar de lições de vida importantes. Não sei quando, ou se lá irei poder voltar um dia. Seria bom voltar a visitar os mesmos locais, agora com os meus filhos. De qualquer forma, estou grata pela oportunidade que tive.
É incrível como num dia algo tão trágico pode acontecer no mundo e, 20 anos depois, poucos se lembram. Diz-se que “o ser humano tem memória curta” e isso é verdade para mim também. Aliás, essa é a razão por que comecei a escrever as minhas memórias do tsunami logo em Janeiro de 2005. É o meu desejo que a tragédia se esqueça sim, mas que as lições fiquem. Lições essas que partilho com quem me quiser ouvir, primeiro em Portugal e agora aqui nos EUA, com o lançamento do livro. Lições de perserverança, de gratidão, de amor, de resiliência e esperança. E a maior lição de todas, a de que Deus salva sim, e salva ainda nos dias hoje.
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