O preconceito de não trabalhar

Flávia Neves

Saí de Portugal quando o meu filho mais novo tinha 3 meses e a mais velha 2 anos. Tinha 36 anos.

Desde os meus 22 anos que sempre trabalhei em grandes multinacionais, a maioria das vezes mais de 9 horas por dia, sempre a dar o meu melhor.

Nunca me passou pela cabeça algum dia deixar de trabalhar. Até ao dia em que o meu marido chegou a casa com a notícia de ir trabalhar para outro País. Apesar de todas as dúvidas, medos e receios que uma mudança de País implica, fiquei feliz por termos aceite este desafio.

Para mim, foi uma oportunidade que encontrei de me dedicar a 100% aos meus filhos enquanto eles eram pequenos. Foi uma espécie de escape à sensação que constantemente dividia o meu coração e a minha cabeça entre ser uma boa profissional e ter tempo para os meus filhos . Que alívio seria livrar-me da sensação de ter de sair do trabalho às 18h para ir para casa ter com os meus filhos, sem sentir peso na consciência ou vergonha.

Há quatro anos e meio que vivo fora de Portugal, e entretanto já mudei novamente de País . Não voltei a trabalhar. Sempre que vou de férias a Portugal, família e amigos fazem-me sempre a mesma perguntar com olhar de pena: “O que fazes durante o dia?”, ” Não sei como tu aguentas sem trabalhar…” Confesso que a pergunta me incomodava e nem sabia o que responder .

Sentia-me envergonhada, desconfortável e pouco interessante. Afinal, não fazia parte da minha educação não trabalhar.

Nas últimas férias, decidi libertar-me desses meus preconceitos, levantar a cabeça e fazer uma lista de coisas que fiz e que continuo a fazer nestes últimos anos. Dediquei-me à minha família, aprendi outras línguas, aprendi costumes e culturas diferentes, conheci novos lugares, escrevo para este blog, ajudei a integrar a minha família nos novos países, fiz vários tipos de voluntariado, rezei mais, pratiquei novos desportos, fiz cursos e formações que nunca pensei fazer e, o melhor de tudo, conheci pessoas incríveis.

Não sei como será o futuro, mas uma certeza tenho. A pergunta: “O que fazes durante o dia?” já não me incomoda mais. E se me perguntarem: “Arrependes-te de teres deixado de trabalhar?”, eu respondo: “Não. Sou uma sortuda por ter tido esta possibilidade de estar perto dos meus filhos e viajar pelo mundo com a minha família!”

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8 comentários em “O preconceito de não trabalhar

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  1. Felicito-a pela sua partilha. Estou há sete anos fora de Portugal e só há quatro meses retomei uma atividade profissional. Decidi ficar em casa para acompanhar os meus dois filhos. Não é uma decisão fácil, ficamos sem remuneração, o isolamento social é maior. Aproveitei igualmente para aprender a língua e fiz voluntariado. Agora que os meus filhos estão mais crescidos, chegou o momento de voltar à vida profissional. Há 4 meses candidatei-me a uma oferta de trabalho na minha área (jurídica). Não sabia como justificar um buraco de sete anos no meu CV, acabei por assumir e meti “desafio parental”. Na entrevista, expliquei o que era aquele desafio parental…fui contratada.

  2. Revejo-me totalmente neste texto. A nossa aventura fora de Portugal começou há 10 anos e já vamos no terceiro país. Não me arrependo de ter deixado a minha profissão, sempre senti que as minhas filhas precisavam mais de mim do que eu de um emprego fora de casa. Continuo a sentir-me uma privilegiada por ter a oportunidade de fazer tanta outras coisas, como tão bem descreve no texto. Mas não digo que não gostaria de retomar uma actividade profissional no futuro, quem sabe o que ele nos reserva?

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