Os meteorologistas já previam Madrid coberta de branco, um nevão “monumental”, para a primeira semana de Janeiro, mas estava a cidade preparada para 60 centímetros de neve?
A preparação para o grande nevão
Começou a nevar na quinta-feira dia 7 à hora de almoço, mas parou passadas umas horas. Na sexta-feira de manhã outra vez nevou e desta vez já não parou! A creche da minha filha ligou-me a seguir ao almoço a pedir para ir buscá-la mais cedo porque os educadores precisavam de ir para casa antes que a tempestade os impedisse.
Não tínhamos comida em casa e decidi interromper o trabalho para ir às compras (normais, não de pânico). Na sexta à tarde os carros já circulavam a 20 km/h, a neve acumulava-se nas estradas e a manobra de tirar e meter o carro na garagem foi arriscada. Mas conseguimos! Estávamos no quentinho da nossa casa a ver as ruas a ficarem brancas, os flocos que caiam vindos de todas as direções, o metro de superfície que passava e os negócios que fechavam mais cedo para deixar os seus trabalhadores irem para casa.
O Caos
Durante a noite, fomos lendo relatos de pessoas que tinham caminhado durante 2h para poder chegar às suas casas, ou mesmo que tinham ficado a dormir nos seus locais de trabalho. Já estava Madrid coberta de branco. Centenas de pessoas que abandonaram os seus carros no meio das estradas e outros tantos que dormiram essa noite dentro dos seus veículos. Enfermeiros e médicos que não conseguiram sair dos hospitais no final dos seus turnos porque não tinha chegado ninguém para substituí-los. O caos estava instalado.
Madrid como nunca vi
No sábado acordámos ainda a nevar – acabou por parar apenas sábado à noite. Nunca tinha visto Madrid coberta de branco e não havia como sair de casa sem ter que pisar a neve. As ruas ainda não tinham sido limpas, e os madrilenhos aproveitaram para brincar, fazer bonecos de neve, esquiar, descer as ruas com trenós, fazer batalhas de bolas de neve. De repente a minha rua tinha-se transformado numa estância de esqui. Saímos também a passear um pouco, era a primeira vez que a nossa filha de quase 2 anos via neve e constatámos que a única rua mais ou menos aberta por uma escavadora tinha sido a nossa, que tinha vários hospitais (daí a prioridade). O resto do bairro estava preso, a única maneira de mover-se era a pé e afundar-nos pela neve. Os autocarros e o metro de superfície deixaram de circular, os carros nem com correntes de neve.
No domingo decidimos sair para ir à missa, como sempre fazemos. A igreja mais perto da nossa casa sofreu danos pela tempestade e passaram todas as celebrações para um convento que fica a 30min a pé (em condições normais). A caminhar lento pela neve, pela nossa filha e pelo facto de eu estar grávida de 38 semanas, demorámos cerca de uma hora a chegar. Pelo caminho, fomos vendo grupos de vizinhos organizados com pás, baldes, bandejas, o que tivessem em casa, a limparem as suas ruas e entradas dos condomínios, camiões do exército nacional a passarem de um lado para outro, ainda que só houvesse uma única rua desimpedida, árvores caídas e não se sabia o que era rua ou o que era passeio. O nosso bairro estava transformado num filme de ficção científica estilo “era do gelo”. Depois da brincadeira, era hora de recuperar.
Confinados por São Pedro
As aulas em Madrid são suspendidas até à segunda-feira seguinte: as escolas têm uma semana para desimpedir as suas entradas, reparar os danos materiais e criar condições para que os alunos voltem em segurança. Os autocarros ainda não circulam e o metro de superfície continua com as vias debaixo da neve, que lentamente se converte em gelo. As temperaturas baixam até aos -10 graus e os hospitais começam a alertar o crescente caso de entradas nas urgências derivado de caídas na neve ou gelo. Sair de casa não é seguro de todo, as ruas estão escorregadias para caminhar, sem condições para conduzir e os transportes públicos inexistentes na minha zona. O metro subterrâneo funciona excecionalmente 24h sem parar, por ser o único transporte de toda a cidade. O aeroporto consegue fazer descolar os seus primeiros voos no domingo à noite.
Durante a semana seguinte, muitos supermercados têm as prateleiras vazias, pela impossibilidade de receber as mercadorias em camiões. Compramos o que há e não o que queremos. As vias do metro de superfície são finalmente limpas na terça-feira, as ruas principais desimpedidas durante a semana, mas a neve ainda sem derreter. A comunidade de Madrid trabalha sem parar para devolver alguma normalidade aos seus residentes, mas a falta de limpa-neves, máquinas e sal faz com que seja um processo lento, afinal já não nevava assim há mais de 50 anos.
Faz sentido investir em infraestruturas como nos países nórdicos? Muitos apontam o dedo, mas a verdade é que as previsões falavam em 20 centímetros de neve, não em 60.
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