Madrid coberta de branco

Cristiana Lopes

Os meteorologistas já previam Madrid coberta de branco, um nevão “monumental”, para a primeira semana de Janeiro, mas estava a cidade preparada para 60 centímetros de neve?

A preparação para o grande nevão

Começou a nevar na quinta-feira dia 7 à hora de almoço, mas parou passadas umas horas. Na sexta-feira de manhã outra vez nevou e desta vez já não parou! A creche da minha filha ligou-me a seguir ao almoço a pedir para ir buscá-la mais cedo porque os educadores precisavam de ir para casa antes que a tempestade os impedisse. 

Não tínhamos comida em casa e decidi interromper o trabalho para ir às compras (normais, não de pânico). Na sexta à tarde os carros já circulavam a 20 km/h, a neve acumulava-se nas estradas e a manobra de tirar e meter o carro na garagem foi arriscada. Mas conseguimos! Estávamos no quentinho da nossa casa a ver as ruas a ficarem brancas, os flocos que caiam vindos de todas as direções, o metro de superfície que passava e os negócios que fechavam mais cedo para deixar os seus trabalhadores irem para casa.

O Caos

Durante a noite, fomos lendo relatos de pessoas que tinham caminhado durante 2h para poder chegar às suas casas, ou mesmo que tinham ficado a dormir nos seus locais de trabalho. Já estava Madrid coberta de branco. Centenas de pessoas que abandonaram os seus carros no meio das estradas e outros tantos que dormiram essa noite dentro dos seus veículos. Enfermeiros e médicos que não conseguiram sair dos hospitais no final dos seus turnos porque não tinha chegado ninguém para substituí-los. O caos estava instalado. 

Madrid coberta de branco
árvore partida e caída
Madrid coberta de branco

Madrid como nunca vi

No sábado acordámos ainda a nevar – acabou por parar apenas sábado à noite. Nunca tinha visto Madrid coberta de branco e não havia como sair de casa sem ter que pisar a neve. As ruas ainda não tinham sido limpas, e os madrilenhos aproveitaram para brincar, fazer bonecos de neve, esquiar, descer as ruas com trenós, fazer batalhas de bolas de neve. De repente a minha rua tinha-se transformado numa estância de esqui. Saímos também a passear um pouco, era a primeira vez que a nossa filha de quase 2 anos via neve e constatámos que a única rua mais ou menos aberta por uma escavadora tinha sido a nossa, que tinha vários hospitais (daí a prioridade). O resto do bairro estava preso, a única maneira de mover-se era a pé e afundar-nos pela neve. Os autocarros e o metro de superfície deixaram de circular, os carros nem com correntes de neve.

Madrid coberta de branco
Crianças e adultos a brincar

No domingo decidimos sair para ir à missa, como sempre fazemos. A igreja mais perto da nossa casa sofreu danos pela tempestade e passaram todas as celebrações para um convento que fica a 30min a pé (em condições normais). A caminhar lento pela neve, pela nossa filha e pelo facto de eu estar grávida de 38 semanas, demorámos cerca de uma hora a chegar. Pelo caminho, fomos vendo grupos de vizinhos organizados com pás, baldes, bandejas, o que tivessem em casa, a limparem as suas ruas e entradas dos condomínios, camiões do exército nacional a passarem de um lado para outro, ainda que só houvesse uma única rua desimpedida, árvores caídas e não se sabia o que era rua ou o que era passeio. O nosso bairro estava transformado num filme de ficção científica estilo “era do gelo”. Depois da brincadeira, era hora de recuperar.

Madrid coberta de branco
vizinhos a limpar a neve das ruas

Confinados por São Pedro

As aulas em Madrid são suspendidas até à segunda-feira seguinte: as escolas têm uma semana para desimpedir as suas entradas, reparar os danos materiais e criar condições para que os alunos voltem em segurança. Os autocarros ainda não circulam e o metro de superfície continua com as vias debaixo da neve, que lentamente se converte em gelo. As temperaturas baixam até aos -10 graus e os hospitais começam a alertar o crescente caso de entradas nas urgências derivado de caídas na neve ou gelo. Sair de casa não é seguro de todo, as ruas estão escorregadias para caminhar, sem condições para conduzir e os transportes públicos inexistentes na minha zona. O metro subterrâneo funciona excecionalmente 24h sem parar, por ser o único transporte de toda a cidade. O aeroporto consegue fazer descolar os seus primeiros voos no domingo à noite. 

Durante a semana seguinte, muitos supermercados têm as prateleiras vazias, pela impossibilidade de receber as mercadorias em camiões. Compramos o que há e não o que queremos. As vias do metro de superfície são finalmente limpas na terça-feira, as ruas principais desimpedidas durante a semana, mas a neve ainda sem derreter. A comunidade de Madrid trabalha sem parar para devolver alguma normalidade aos seus residentes, mas a falta de limpa-neves, máquinas e sal faz com que seja um processo lento, afinal já não nevava assim há mais de 50 anos.

Faz sentido investir em infraestruturas como nos países nórdicos? Muitos apontam o dedo, mas a verdade é que as previsões falavam em 20 centímetros de neve, não em 60.

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