“I’m in a New York State of Mind” – Billy Joel
Sento-me a fazer este exercício de colocar em palavras as memórias, imagens, sensações e emoções da experiência de emigrar. E vejo como é difícil definir e concretizar o que me vai ocorrendo. Quanto tempo é suficiente numa nova cidade para se lhe apanhar a essência, sentir que a ela se pertence, e que faz parte de nós e da nossa história? Ao fim de quase uma década nesta cidade, já serei nova-iorquina?
Habitante em Manhattan
Não encontro as repostas a estas perguntas. Mas tenho bem presente como foi conhecer, ainda visitante, e passar a viver, como habitante, na cidade de Nova Iorque, mais concretamente em Manhattan.
Em Nova Iorque, muito do que se encontra nos guias turísticos pode visitar-se em poucos dias, se a energia permitir. A ilha é grande e os quarteirões sempre mais longos do que parecem no mapa. Mas as possibilidades são inúmeras: a oferta cultural, a imensidão de lojas e parques, os edifícios icónicos, os restaurantes e a vida social são normalmente razões de sobra para não querer que um dia de visita a esta cidade acabe. Mas é depois de conhecer todos esses destinos dos livros e dos filmes que começa a experiência de aqui viver como habitante desta cidade. Que se encontra o canto de cada um, a sua bolha, o bairro que mais vai ao encontro da nossa forma de estar e viver, e começamos a sentir-nos mais em casa. Pelo menos nalguns dos dias, de vez em quando.
Experiência de Emigrar
Provavelmente este meu relato aplica-se a qualquer outra pessoa que emigra ou experimenta viver no estrangeiro, em qualquer outra cidade. Tudo se vai construindo, deliberada ou acidentalmente, resultando na pessoa que se é hoje. E trabalha-se diariamente para que essas várias peças se encaixem. O passado de cada um, que se transforma num presente que acaba por fazer sentido noutro lugar. Ainda que o futuro esteja por descobrir.
Emigrar pode ser precisamente essa aventura excitante, de deslumbramento, de querer dar um salto e fazer mais. Mas também de um processo interior de crescimento, de adaptação e flexibilidade, sem saber bem onde ou como se vai assentar.
Em Nova Iorque, não serão os arranha-céus envidraçados que surgem como cogumelos e completam o skyline dos postais que convidam um novo morador a sentir-se em casa. São as vozes, os sotaques, as roupas, os cabelos: as pessoas, a vida, o humano de uma cidade de imigrantes, onde cabe sempre mais um.
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Gostei muito deste teu texto, Raquel. Como imigrante em Toronto, sei que o que contas se aplica a tantos de nós.
Obrigada, Ilda! Sempre foste uma referência na minha experiência de emigração.
Também gostei da análise que fizeste sobre o teu sentido de emigrar, de inserir num novo meio geográfico, cultural, político e social.
Na verdade, há um pouco mais de três dezenas de anos, também eu me tornei num migrante mas, então, nunca consegui incorporar, nem o estatuto de migrante, nem o princípio de inserção no novo meio geográfico, social e cultural. Tinha como adquirido que era apenas um até breve e apenas haveria que aguardar pela nova oportunidade de regresso. Só que, entretanto, os nossos filhos cresceram e fizeram novas amizades e reivindicaram o direito a manter a sua nova inserção.
Claro que a nossa migração foi mais tardia e de mais dificil adaptação. E sinto um grande orgulho em perceber que foste uma ótima emigrante e com excelente capacidade de observação, apreciação do meio e das oportunidades que ele te oferece e da revelação da tua vontade de mergulhar no meio, embeberes-te do seu espírito e procurar ser mais uma nova-iorquina or forma a não te sentires estranha, mas seres um deles.
Por tudo isto apraz-me registar a tua grande resiliência, quer ao meio, quer a todo o seu envolvimento de que já te apropriaste.