Eleições presidenciais no Quénia-2022

Tessy Gomes

Quénia uma só nação

Este ano marcado pelas eleições presidenciais no Quénia, o bom senso dos quenianos sobrepôs-se.

Pela primeira vez a população mostrou-se unida e que todos querem o mesmo: um presidente que os governe, que melhore as condições de vida e diminua a corrupção.
Pondo assim de lado o tribalismo e revelando ao mundo que o Quénia é uma só nação. Claro que existem sempre conflitos, protestos, desaparecimentos ou mortes, mas este ano acontecera a um número reduzido, diria eu, nunca antes visto.

A assombração da violência passada

O medo pode não fazer muito sentido quando nos referimos às eleições em Portugal, temos a sorte de ser sempre tudo tão tranquilo durante esse mesmo ano eleitoral, no próprio dia das eleições ou mesmo nas semanas a seguir ao presidente vencedor.
Ao contrário do Quénia, aqui sofre-se por antecipação. Diria que um ano antes das eleições acontecerem, já se pensa em como irá terminar esta fase. Não pensem que é por sofrerem de ansiedade, stress ou os problemas considerados de “primeiro mundo”, mas pela carga negativa e difícil que as eleições sempre tiveram no Quénia.
Vamos começar pelas eleições de 2007 que tornaram o Quénia num espetáculo de violência eleitoral que foi exposta a nível mundial.
Neste ano, o presidente Mwai Kibaki foi reeleito, o que gerou uma onda de protestos e violência. Foi assim considerado um massacre no qual morreram mais 1100 pessoas, 650mil ficaram desalojadas e algumas acabaram por fugir para os países vizinhos.
Em 2013, ano eleitoral, com cara e esperança renovadas, ganhou o Uhuru Kenyatta. Claro que também houve protestos, alguns conflitos e mortes, mas nada que se possa comparar às eleições anteriores.
No ano de 2017, o presidente Uhuru Kenyatta voltou a ganhar, e apesar de ter sido um pós-eleitoral calmo, estas eleições ficaram conhecidas por 3 razōes:

  • os milhões gastos ao longo das campanhas;
  • um ano eleitoral mais sangrento que o anterior no qual morreram mais 124 pessoas;
  • pela morte do responsável encarregue de supervisionar o sistema informático (IEBC) que foi encontrado com sinais de tortura, nos arredores de Nairobi.

Como devem imaginar todos estes acontecimentos trouxeram de volta a assombração e o medo da violência que se vivenciou em 2007. Por conseguinte, as eleições de 2022, foram as mais calmas de sempre! No entanto, nem tudo é cor-de-rosa. Parte da comissão eleitoral (IEBC) opôs-se aos resultados que indicavam William Ruto como novo presidente. O seu adversário Raila Odinga acabou por levar o caso eleitoral para o supremo tribunal como forma de contesto e decidirem de forma justa quem é o novo presidente queniano eleito. Infelizmente para Raila Odinga, que acabou por perder outra vez. Para terminar em bem o desaparecimento e morte de Daniel Mbolu Musyoka funcionário do IEBC*, foi uma das notícias negativas, que acabou por marcar esta temporada eleitoral.

Ficar no Quénia durante as eleições

Ficar por cá, foi sempre uma escolha pessoal, com tudo o que isso acarreta de positivo e negativo, mas que me permitiu ter uma visão de como é que a população vive a época das eleições.

Antes de mais, posso dizer que muitos dos conflitos começam ao longo das campanhas e nas favelas, como Mathare, Kayole, Kawangware ou Kibera. Há sinais que nos mostram o quao perigoso é estar nestas zonas: como pneus ou lojas a arder, roubos, estradas bloqueadas, jovens atirar pedras, a soprarem vuvuzelas, etc…

Entendam que são gastos milhões em campanhas eleitorais, muitas pessoas são subornadas para votarem num certo candidato e que infelizmente isto acontece nas camadas mais pobres e prontas para lutarem.
As rezas, para que tudo decorra sem violência no pós-eleições, passam a fazer parte do quotidiano.

Muitas das mulheres decidem ir para a aldeia com os respetivos filhos onde se sentem seguras, as escolas fecham durante as eleições e pós-eleições. Tenta-se comprar o máximo de bens essenciais antes das eleições de forma a não se ter que sair de casa nas semanas seguintes ao anúncio dos resultados vencedores. Até o nosso vizinho ou amigo pode tornar-se violento por ter uma opinião ou etnia diferentes. Isto é, passa-se a dormir com os olhos entreabertos.
Presenciei as eleições de 2017, em Nairobi, e agora as de 2022 em Msambweni (aldeia para onde me mudei no passado mês de julho – vão lá ler o artigo em que falo sobre este cantinho do paraíso.)

Quanto às eleições de 2017, em Nairobi, vivi a violência de muito perto, de maneira que a experiência não tenha sido das melhores. Estava a viver perto de uma favela chamada Kawangware onde houve imensos protestos e incêndios.

A minha rua tinha sido fechada, e eu não conseguia nem sair ou entrar de casa a não ser que fosse durante a noite. Assim que tive a oportunidade fui para casa do meu amigo Luís durante uns dias, ele que tinha ido para Portugal nesta altura e deixou-me as chaves da casa dele (grande parte dos expatriados regressam ao seu país de origem). Eu, ía sendo assaltada na rua durante uma campanha eleitoral, por um grupo de rapazes / homens da tribo Mungiki*, que já tinham formado um círculo em volta de uma senhora enquanto esta estava a ser roubada à vista de todos, mas assim que me avistaram atravessaram a estrada a correr para vir ter comigo.

Sorte a minha estava a passar ao lado de um supermercado e fiquei lá dentro sentada ao longo de 2 horas até as ruas voltarem ao normal e poder regressar a casa.
Uma das minhas conclusões, é que as pessoas aproveitam a época eleitoral como desculpa para trazer ao de cima o seu lado animal, violento e sangrento em nome de um partido governamental.
Agora em 2022, foi a primeira vez que vivi uma campanha, eleições e pós-eleições tao tranquilas. Como já referi, mudei-me para Msambweni, a sul da costa queniana. Por aqui também havia cartazes por todo o lado, a diferença é que no dia das eleições e até ao dia em que são anunciados os resultados, tudo é retirado. Isto, porque a população só quer paz e caso haja algum conflito não é demonstrado favoritismo por nenhum partido ou candidato. E assim que haja um vencedor, são repostos todos os cartazes de forma a dar as boas-vindas ao novo governador, seja local, distrital ou nacional.
Estivemos semanas à espera de um resultado, mas William Ruto é por fim o novo presidente e felizmente pela primeira vez o Quénia está de parabéns por ter registado tão pouca violência.
Espero que nas futuras eleições, o povo queniano continue a demonstrar que é capaz de manter a paz entre si.

Notas
*IEBC – Independent Electoral and Boundaries Comission – Comissão responsável por supervisionar, conduzir a contagem dos votos, retificar, anunciar os resultados e presidente eleito.

*Algumas tribos passam a ser violentíssimas, ao ponto de matar. Aqui referi-me aos Mungikis – homens com rastas. Infelizmente este estilo de cabelo acaba estereotipar todo o resto da população com o mesmo penteado, ou culpabilizar toda esta tribo que por vezes só uma parte é que é responsável pela violência.
*Para quem quiser saber ou perceber mais sobre a época eleitoral e os respetivos candidatos aconselho a fazer uma pesquisa. Há muitas coisas por contar que eu não conto aqui, mas é uma época que acaba sempre por ser controversa quase como um filme com reviravoltas inesperadas.

Lê também:

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Subir ↑