A descontração no trabalho não significa falta de profissionalismo

Tânia Valente

Qual saltos altos, qual verniz gel/gelinho ou o que quer que lhe chamem agora, ou cabeleireiro semanal! Isso não é o que é importante para desempenhar as funções que nos são atribuídas no local de trabalho. Bem verdade, sinceramente. Não que eu fosse de me maquilhar ou andar muito de salto alto, mas agora ainda menos.

Tenho os meus níveis mínimos ao vestir (há coisas das quais não abdico) mas nunca me senti julgada, olhada de cima abaixo para alguém tentar perceber a marca da camisola, das calças ou até da roupa interior, porque em Portugal às vezes a descrição é tão pouca que quase nos despem ao tentar perceber o valor que levamos vestido ou calçado.

Os alunos são dos únicos que comentam o cheirinho do perfume, a roupa bonita ou o calçado, sempre de forma agradável e franca.

A escola não tem nem bar, nem cantina nem sala de professores. Há gabinetes para os professores (2 ou 3 por gabinete) e uma sala comum com cozinha e máquina de café. Cada um leva o que quer comer, se quiser comer é aquece no micro-ondas ou come frio… as Portuguesas não! Conversa-se durante o almoço e/ou nos gabinetes.

Horários e pontualidade no trabalho

As aulas começam às 9:00 e terminam às 15:00, com 45 minutos de pausa para almoço. Temos que estar na escola desde as 8:30 até às 15:30, com exceção de dois dias por semana em que temos reuniões de equipa ou departamento e nesses, o horário de saída é às 16:30.

Não há atrasos, as reuniões começam exatamente à hora marcada – 15:15 e não se está a falar dos filhos, dos vizinhos, do cão, do gato ou da crise! Trabalho é trabalho. Adoro isso!

Não me consigo imaginar em Portugal numa reunião que começa às 17:00 (por exemplo) e espera-se 15, 20 ou mais minutos pela “Maria” que foi deixar o filho à piscina ou pela “Adelaide” que vem do cabeleireiro que se atrasou! Não há paciência. Atenção, que isto foi a minha vivência durante 10 anos, mas tenho uma irmã que é professora no ensino público português e, quando falamos, não consigo “engolir” o que ainda se passa no nosso país, num ramo que devia ser tão importante e profissional. Por este facto, não me imagino no universo educacional em Portugal outra vez.

Os alunos contribuem para o ambiente de trabalho

Outra coisa de que já falei noutro artigo, é o facto de não existirem os chamados auxiliares de ação educativa/contínuos ou o que quer que seja que se chamam hoje em dia. Não digo que não são importantes, são, simplesmente aqui não há!

Acho maravilhoso que no final de cada aula (se for a última aula do dia naquela sala de aula) ou no final do dia, os alunos empilharem as cadeiras contra a parede para o pessoal da limpeza ter o trabalho facilitado quando exerce a sua função. Isto antes do contexto Covid-19. Agora, os alunos continuam com as mesmas e outras responsabilidades. Não lhes cai nenhum bracinho, pois não?

Ninguém é empregado de ninguém.

Portas abertas e reconhecimento profissional e pessoal

O que me leva a outro ponto, a hierarquia/chefia na Noruega. Se me apetecer entrar todas as manhãs no gabinete do diretor, já que a porta está sempre aberta, não destrancada mas sim escancarada, e dizer “Bom dia”, sou muito bem vinda, e faço-o frequentemente, dependendo da pressa com que estou. Numa reunião ou no normal dia a dia, não se distingue um chefe de um qualquer outro empregado.

O tratamento é igualmente descontraído, educado e informal. ADORO!!!! Não há cá o “Sr. Dr como está?” ou “Sr. Engº, se não se importa…” Os galões são para beber num copo e não para carregar para o local de trabalho! Aqui toda a gente se trata pelo primeiro nome, desde o mais alto nível da chefia até aos alunos. Eu sou Tânia, Miss Tânia ou Miss teacher. ADORO!!!

A facilidade com que um diretor, uma coordenadora ou mesmo um colega elogia e reconhece o nosso trabalho ou algo que tenhamos feito, é de um altruísmo maravilhoso e, faz-nos sentir apreciados, reconhecidos e que afinal estamos a fazer um bom trabalho. ADORO!!!

Eu falo diariamente 4 línguas: Inglês (língua oficial da escola), Espanhol, Norueguês e Português. Quando os nossos colegas, alguns deles colegas e amigos, incluo a chefia aqui, reconhecem e sentem, o quão cansativo deve ser para nós falarmos outra língua que não a nossa, mesmo quando o evento é social, como um jantar de Natal, uma festa de graduação
dos alunos do 10º ano, um encontro no bowling ou num bar em que basicamente não relaxamos o cérebro, isto mostra-nos que pensam em nós. ADORO!!!

Todas as semanas tenho uma reunião individual de 1 hora com a minha coordenadora, onde há abertura para expor preocupações, ideias, projetos que gostaria de desenvolver e onde existe, por parte dela o reconhecimento pelo meu trabalho, feedback mas sobretudo, um momento onde me sinto verdadeiramente escutada e apreciada. Muitas vezes estas reuniões prolongam-se por duas horas mas nessa segunda hora, falamos de nós, rimos e confidenciamos sobre nós como indivíduos e não como profissionais. Isto nunca existiu em Portugal. ADORO!!!

Multi-culturalidade na escola

Por último (por hoje), a quantidade de maravilhas culturais que aprendo todos os dias e a riqueza que isso traz para a minha vida. O mundo é imenso, as culturas inigualáveis e, o conhecimento uma tarefa que nunca está nem estará concluída. Sinto-me uma privilegiada por privar com dezenas de nacionalidades na minha escola. ADORO!!!

Estar um dia inteiro com jovens, a falar, a desenvolver atividades, a vigiar horas de almoço e recreios, a preparar aulas e avaliações (o IB não tem manuais) é às vezes muito desgastante mas muito mais ainda, gratificante e enriquecedor! Adoro ser professora! Adoro dar aulas aqui e não me vejo a fazer outra coisa. ADORO!!!

E acho que é isto, apesar de haver tanto mais para dizer mas, receio que possa perder-vos e cansar-vos com as minha estórias. Afinal, a nossa vida de emigrantes nem sempre interessa muito aos que “lá” ficaram.

P.S. Não posso deixar de dizer o meu MUITO OBRIGADA às minhas fofinhas “tugas”, Cláudia e Joana, que me aturam todos os dias na escola e me mantém sã e feliz. E um especial OBRIGADA MORZITO ao meu marido Filipe, por me aturar quando chego a casa com “a pica toda” ou às vezes nenhuma. Haja paciência para me aturar às vezes!


2 comentários em “A descontração no trabalho não significa falta de profissionalismo

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  1. Boa tarde Tânia !

    Não me cansou nem me fez parecer que perdi o meu tempo com a leitura do seu testemunho.
    Fui professor do Secundário em Portugal e , se é verdade que considerei algumas das minhas vivencias por um período superior a 40 anos muito enriquecedoras, é também verdade que com as suas “estórias” fico com um bocadinho de inveja por não ter vivido esse ambiente tão aberto e, ao mesmo tempo com tantas regras que são aceites e interiorizadas com tanta facilidade.

    Faça o favor de continuar a ser feliz….

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