Amo falar de adolescentes sem fronteiras e desta vida de casa às costa e do que é escolha e do que é imposição.
Não pretendo de forma alguma influenciar ninguém, ou mesmo atingir consenso com o que vou escrever, apenas vou relatar a minha vivência primeiro como adolescente e depois como mãe de adolescentes. Este é um processo individual e com o tal cada um seguirá a sua voz interior.
Quando tudo começou..
Eu comecei a minha vida sem fronteiras aos 7 anos de idade, nessa altura os meus pais decidiram que a família se mudaria para Macau, o que na altura implicava uma viagem de quase 18 horas de avião e uma distância de mais de 13,000 kilometres. Todo este processo começou um pouco antes para mim, pois um ano antes os padrinhos do meu irmão tomaram a mesma decisão (a convite da empresa onde trabalhavam também). Lembro-me mais do dia em que me despedi da filha deles no aeroporto de Lisboa, de lhe pedir para acenar da janela com uma lenço para eu ver onde ela ia sentada, do que do dia da nossa viagem e de todo o processo.
Mas com sete anos desde que estejamos junto dos nossos pais, que deverão ser o nosso porto seguro, tudo é tranquilo. Lembro-me de tudo ser novo e excitante, das primeiras impressões mas não me lembro nunca de sentir saudades de Portugal ou da minha casa, a minha casa era onde a minha família estava.
No entanto, aos 12 anos os meus pais por motivos vários, decidiram que possivelmente estava na hora de regressar a Portugal. Confesso que aqui as coisas já foram sentidas de uma outra forma, mas quando vivemos nestes ambiente internacional, de famílias que vêm e que vão, o teu pensamento é chegou a minha vez!
Sabia que ia sentir falta dos amigos, mas tudo o resto era uma incógnita, pois a realidade de Portugal para mim era as férias e a proximidade da família, pouco mais.
Uma adolescente sem fronteiras
Lembro-me muito mais da re-adaptação a Portugal, isso sim foi difícil! O regressar à escola onde tinha andado e não me identificar com a instituição nem com a realidade vivida, mesmo tendo saído de um colégio religioso de Macau para re-integrar outro em Portugal. Lembro-me de sentir a falta de liberdade, a dependência dos adultos, as distância e a necessidade de se ter carro para fazer quase tudo. Mas mudando de escola, para uma escola pública no ano seguinte, tudo melhorou e passei a viver essa realidade como a minha nova realidade, adaptei-me e criei a minha nova vida.
Agora acontece que aos 15 anos, eu se calhar tinha-me adaptado mas os meus pais nem por isso, e resolveram que o melhor mesmo era regressar a Macau!
Aí confesso que o meu Mundo tremeu um bocadinho! Sim, era ótimo voltar aos meus amigos que lá estavam, ao ritmo de qualidade de vida de Macau, das viagens e das culturas das mentalidades. Mas que faria eu agora às amizades de Portugal, que estavam tão enraizadas e faziam parte de mim, que faria eu com esta nova Sara que tinha surgido nestes anos, será que ainda teria o mesmo tipo de ligação com os amigos deixados em Macau?
Resultado: entrei num processo de revolta adolescente e posso dizer que a partir desse dia deixei de me preocupar com a escola, a minha única razão de viver era os amigos e a descoberta de quem eu era, que basicamente é toda a razão da adolescência. Resumindo uma história muito longa, eu que sempre fui uma aluna muito certinha, chumbei esse ano, no ano que cheguei a Macau voltei a chumbar. Foi a minha revolta da adolescência, pacífica, sem grandes disparates, os normais desta fase da vida, mas fundamental para perceber quem era eu para além da família e dos amigos.
Isto pode parecer uma história de crítica, mas não, é uma crónica de gratidão, pela vida que tive que me proporcionou ser quem hoje sou, com uma capacidade de resiliência, sociabilidade e adaptação muito grande. De tal forma, que sempre que na vida me surgiam oportunidades de sair de onde estava para viver outras realidades, era sempre a primeira da lista. E voltei a ter várias experiências destas, fossem por dias, semanas ou meses. Além de que depois vivi o processo inverso de ser eu a regressar a Portugal para a universidade e ter a família toda em Macau.
E este bichinho das vivências lá fora sempre ficou comigo, e daí termo-nos mudado em família há 5 anos para os Países Baixos.
No entanto, poderia-vos contar centenas de experiências diferentes de pessoas que passaram pelo mesmo processo que eu e que o resultado foi precisamente outro. Como o exemplo de uma amiga, que já não via há anos, e por coincidência dias antes de nos mudarmos para cá a encontrei e disse-lhe que estávamos de partida. Esta amiga, tinha vivido em Macau por três anos e nunca se adaptou totalmente, fizera a mudança com 14 anos.
Resposta dela ao meu entusiasmo da nova etapa que se adivinhava:
– “Vais fazer aos teus filhos o que os nossos pais nos fizeram a nós.”
Ser mãe de adolescentes sem fronteiras
Lembro-me de ter argumentado que era essa a razão pela qual tomava também a decisão pois sabia o quão parte de mim fazia essa experiência e tudo o que me tinha proporcionado como pessoa. Ou seja, tudo aquilo que para mim era positivo e que para ela tinha sido negativo.
Resta agora contar que quando nos mudámos os meus filhos tinham precisamente ele 12 anos e ela 9 anos.
E agora como é viver este processo do outro lado?
Posso dizer que para a minha filha a mudança foi uma viagem sem sobressaltos e hoje em dia temos “discussões” de: “- Para que é que vamos tantas semanas para Portugal?”
Ela por ser mais nova, e por ser ela mesma, tem retirado o melhor desta experiência e já fala, hoje com 14 anos, que quer antes de terminar o secundário fazer um ano no estrangeiro ( não em Portugal). Mas ela é ela!
Para ele todo o processo foi diferente, ele nunca ficou muito convencido de toda a mudança, mas nos primeiros tempos tudo o que é novo é excitante. O novo ritmo de vida e liberdade permitida eram muito apelativos e os primeiros anos passaram mais ou menos tranquilamente, e nós (pais) convencemo-nos que era uma questão de tempo até ele estar na mesma situação que ela.
Mas isso porque tendemos a ver a vida da nossa perspectiva, e esquecemo-nos que o outro não somos nós!
E esquecemo-nos especialmente de quão importante são os pares na adolescência para o processo de descobrir quem somos sem os pais, sem aquilo que nos foi endo-treinado ( para não ser muito negativa e dizer endoutrinado), no que realmente acreditamos e desejamos.
E por motivos vários, a verdade é que para ela nunca foi fácil aqui encontrar amigos com quem se identificasse com quem tivesse aquela relação de partilha e confiança como sempre tivera, e mantém com os amigos de Portugal. E de que adianta teres todas as vantagens ( na nossa visão de adultos a maioria, mas algumas delas também) se as únicas pessoas com quem as podes partilhar são os teus pais e irmã?
Ao contrário dela, ele pedia e foi todas as férias possíveis a Portugal sempre para regressar “a casa”.
E entretanto tivemos uma pandemia…
E as amizades que já eram difíceis, estando fechados em casa dois anos lectivos tornou-se tudo mais intolerável, e este ano com 17 anos por todos estes motivos, ele vai regressar a Portugal! Vai voltar para a terra dele e ficar a viver com os avós.
Mesmo tendo consciência de todas as “vantagens” que irá perder, essa é a sua decisão, pois a maior desvantagem é não ter ninguém com quem partilhar o descobrir a Ser.
Se esta foi uma decisão fácil… claro que não! Nem para ele, e muito menos para nós.
Como nos vamos sentir, não faço ideia, só quando acontecer me “cairá a ficha” e vos poderei contar como é viver essa separação como mãe, muitas de vocês experienciaram isso e saberão neste momento melhor que eu.
Mas a verdade é que os “nossos” filhos não são nossos. E se há adolescentes sem fronteiras, outros nem por isso.
E, na minha opinião, é que temos que olhar para cada um dos nossos filhos, estar atentos e escutar.
Sei, podem argumentar que é tudo experiência e que o que não mata torna-nos mais fortes… mas se eles podem aprender por auto-descoberta, porque deveriam aprender através da dor? Nada nos garante que eles não tenham outras dores pelo caminho, o mais provável até é terem-nas , mas terão um valor totalmente diferente porque foram auto-decididas e não impostas. E é esse o maior desafio da adolescência, e da vida em geral: aprender a Ser!
E estes são alguns dos nossos desafios de pais sem fronteiras… filhos que para eles estas (ainda?) são fundamentais.
A realidade na primeira pessoa: os filhos
Para João, que está habituado a viver noutros países desde os seus 6 anos, fazer uma mudança assim tornou-se um hábito. Ao Vida Sem fronteiras, conta que, quando se mudou pela primeira vez, aprender uma nova língua foi o que considerou mais díficil, no entanto, como era pequeno, conseguiu adaptar-se muito facilmente e começou a falar o idioma rapidamente.
Refere que viveu uma segunda mudança para a Austrália, que considerou muito boa, porque viajava com os pais e irmão para um sítio lindo. A sensação com a mudança para a Suíça foi igual, tudo se fez tranquilamente. No entanto, foi ao se mudar para o UK que começou a sentir algumas dificuldades. Foi sozinho, sem nunca ter visto o sítio onde iria viver. Acrescenta, também, que demorou um pouco mais a adaptar-se pela diferença significativa entre as culturas, tendo demorado algum tempo a sentir-em casa.
Apesar de sempre se ter adaptado muito bem às mudanças inerentes, não deixa de referir que a distância entre o seu país de origem lhe deixou algumas marcas…
“Sempre senti falta de Portugal, do tempo, do surf, dos almoços em família, da praia e da comida. Mas também senti a falta de não ter muitos amigos lá por ter ido embora tão pequeno”, indica.
Apesar de se sentir em casa em Portugal, nunca considerou estudar no país, por considerar que existem poucas oportunidades. Já em Inglaterra, onde agora reside, acrescenta que a dificuldade sentida inicialmente com a diferença de culturas acabou por ser muito positivo, porque ter tido contato com muitas pessoas e diferentes formas de ver a vida.
Para João, ter tido a possibilidade de viver e estudar em vários países foi muito benéfico, porque tudo isso lhe abriu portas a oportunidades diferentes.
“Num país como Portugal onde a vida ainda não é tão evoluída, penso que as pessoas não conseguem ter a noção da diversidade de opções de trabalho existentes no mundo ou até mesmo de ideias”, conclui.
Estudar em Portugal: uma opção?
Se para alguns esta não é uma opção a considerar, para filhos de emigrantes portugueses/lusodescendentes esta é uma vontade muito presente. Para tal, existe algumas vagas disponíveis que permitem que estes ingressem no ensino superior português, tendo sido criado um contingente especial com 7% das vagas fixadas para a 1.ª fase do concurso nacional e 3,5% das vagas fixadas para a 2ª fase.
Para mais informações, sugerimos que consultem a página oficial da DGES:
Para reflexão, deixo-vos com um dos meus poemas preferidos:
” Teus filhos não são teus filhos.
São filhos e filhas da vida, anelando por si própria.
Vêm através de ti, mas não de ti.
E embora estejam contigo, a ti não pertencem.
Podes dar-lhes amor mas não teus pensamentos,
Pois que eles tem seus pensamentos próprios.
Podes abrigar seus corpos, mas não suas almas.
Pois que suas almas residem na casa do amanhã,
Que não podes visitar sequer em sonhos.
Podes esforçar-te por te parecer com eles, mas não procureis fazei-los semelhante a ti,
Pois a vida não recua, não se retarda no ontem.
Tú és o arco do qual teus filhos, como flechas vivas, são disparados…
Que a tua inclinação na mão do Arqueiro seja para alegria. “
Khalil Gibran, em O profeta
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