A Micas – Animais expatriados

Elisabete Souto

Muito se fala de expatriados, famílias expatriadas, emigração, etc., mas pouco se diz sobre as centenas de animais que anualmente viajam por conta das deslocações dos seus donos, os animais expatriados. 

Adiámos várias vezes a decisão de levar a nossa Micas connosco por vários motivos, sendo que o principal se prendia com dinheiro. Conseguimos mantê-la em Portugal quando estivemos na Serra Leoa e também quando regressámos a Timor-Leste durante um ano. Ela era uma jovem gata e, sabendo nós que a saída de Portugal ia ser curta, preferimos não a levar.

A Micas na China

Em 2014 surge nova aventura, desta vez com destino à China e para durar mais tempo. Tive 9 meses para organizar a nossa partida e, de todas as coisas necessárias, a mais morosa foi, sem dúvida, tratar da viagem da gata. Entre documentos oficiais, microchip, idas ao veterinário, compra de transportadora própria, telefonemas para a companhia aérea, etc., foram meses de planeamento, dores de cabeça e mais de €800 em despesas.

A Micas viajou connosco na Turkish Airlines, aos meus pés, sedada e após uma tentativa de fuga, ainda no aeroporto do Porto, que me custou uma blusa nova comprada na Primark. ☺ Assim começava a aventura chinesa com duas crianças (8 e 2 anos) e uma gata de quase 10. 

A fama da Micas começa nessa altura. Aparece nas fotos de família no aeroporto, há updates quanto à viagem e surge como figura principal no Blog que criei na altura para dar conta da nossa Aventura na China aos familiares e amigos.

Os 3 anos na China passaram a correr. A Micas foi sempre muito bem tratada pelos veterinários chineses que nunca acreditaram na sua idade. Diziam-me que ela tinha um aspeto muito jovem: pêlo impecável e dentição perfeita.

A Micas na Indonésia

Depois surgiu uma nova aventura. Desta vez íamos para a Indonésia. A Micas foi submetida a nova ronda de exames, vacinas e um teste para confirmar a imunização contra a raiva que só podia ser feito na Alemanha e que custava um balúrdio. Tudo tratado e lá partiu ela, desta vez no porão, de acordo com as regras da companhia aérea. Nova transportadora comprada de propósito para o efeito, nova dor de cabeça para mim.

Tudo correu bem na viagem mas notámos que vinha bem dopada quando a fomos buscar. Demorou uns 3 ou 4 dias para a notarmos normal outra vez. Os amigos e a família puderam continuar a seguir as aventuras da Micas e as nossas também, agora em Jacarta, num novo Blog que criei para o efeito.

Em Jacarta a Micas teve direito a uma vida de luxo. Deixou de estar fechada em apartamentos e passou a ter uma casa com um jardim enorme à sua disposição e uma piscina onde, por duas vezes, deu mergulhos involuntários.

Já sabem, gato que se preze tem 7 vidas por isso a nossa Micas conseguiu safar-se das duas vezes. Volta e meia deixava-nos uma osga morta à porta e deu cabo da população de rãs que tínhamos no jardim. Também lhe arranjámos uns coelhinhos para lhe fazer companhia mas ela não quis saber deles para nada. Sempre foi muito solitária, independente e nunca gostou de ter outros animais por perto.

Pregou-nos um susto valente quando começou a não comer ou andar, perdeu imenso peso e tivemos de a levar ao veterinário. Acabámos por descobrir que tinha problemas nos rins, uma infeção urinária que demorou semanas a desaparecer e imensas dores nas patas anteriores. Consequências da idade mas lá se safou. Nova alimentação específica para a sua condição renal e anda aí (quase) como nova. Para festejar a sua recuperação, voltámos a mudar-nos. E desta vez viemos parar ao outro lado do planeta.

A Micas no Peru

Chegámos a Lima no passado dia 8 de novembro. Ela chegou uns dias mais tarde. Uma viagem que nos demorou 48h e que para a Micas demorou 5 dias. A História repetiu-se. Novos exames, novas vacinas, mais documentação e rios de dinheiro. Viajou sem nós, no porão, com escala de 3 dias em São Paulo onde foi super bem tratada. Do alto dos seus 16 anos acredito que nos tenha rogado todas as pragas felinas que conhece. 

Quando a Micas chegou a Lima fui eu que a fui buscar. Das outras vezes, ou a levei comigo ou tive um agente pago para o fazer em meu nome. Se soubesse o que sei hoje teria estado mais atenta às letras pequeninas dos contratos mas assumi que esse agente estivesse contemplado a julgar pela despesa avultada que pagámos para a trazer. Pois, mas não havia agente nenhum.

Fui lá buscar a Micas naquela que seria a minha primeira grande aventura no Peru. Enfrentar a máquina burocrática do Perú, não é para fraquinhos. Plantei-me à porta do serviço respetivo às 8h30 e só consegui sair de lá por volta das 16h, sem almoçar e apenas com uma garrafa de água. E, digo-vos, até foi rápido! Entre 534 000 documentos, fotocópias e assinaturas, eu estava podre! Uma alma caridosa chamada José viu-me tão aflita que não me largou até eu receber a gata – que estava há quase 24h sem comer nem beber.

Ora bem, foi uma experiência para esquecer mas descobri que, afinal, o meu “portunhol” era entendido por muita gente.

A Micas - Animais expatriados

Vamos então aos conselhos úteis para quem quer emigrar com os seus patudos:

– Planear até à exaustão. A palavra de ordem é perguntar, perguntar, perguntar. Eu sou um bocadinho chata, até. Pesquiso no Google, em grupos de Facebook, no veterinário, envio emails a entidades, contacto com empresas especializadas, etc.  

– Fazer uma lista de todos os requisitos exigidos pelo país de chegada. Por exemplo, quando levei a Micas para a Indonésia tive que descobrir todos os documentos, vacinas e exames que a Indonésia exigia para receber um animal de estimação. 

– Tratar dos documentos do animal junto do seu veterinário. O veterinário é, por norma, a entidade certa para guiar o dono em todo o processo. Vacinas a tomar, quais os documentos e onde os arranjar, microchip, etc. 

– Tirar cópias de todos os documentos e do cartão de saúde/vacinação do animal. 

– Contactar as companhias de aviação: perguntar preços, condições (cabine/porão), tipo de transportadora, entre outros. Na “era Covid” muitas regras em relação ao transporte de animais mudaram, mas já antes da pandemia as companhias aéreas eram muito rigorosas. Por exemplo, quando transportei a Micas do Porto para Pequim fiz reserva do seu lugar com meses de antecedência porque na altura só permitiam dois animais por voo (em cabine) e eu queria garantir que um desses lugares seria da nossa gata.

– Coordenar com o veterinário qualquer medicação que o animal deva tomar. Não sou muito adepta de tranquilizantes mas fui “forçada” a dar meia dose à minha Micas quando percebi que ela estava em muito stress. O mesmo se aplica à comida/bebida. 

– Se o animal for viajar dentro da Europa o processo é relativamente simples; se for viajar para uma ilha é quando as coisas tendem a complicar. 

– Uma vez chegados ao país de destino, procurem uma clínica veterinária e tenham o seu contacto à mão. Será útil para uma emergência ou para aquelas consultas de rotina/vacinação. 

Espero que o meu texto tenha sido esclarecedor e que vos tenha motivado a levar os patudos convosco ou, quiçá, a adotar um no vosso país atual. São, sem dúvida, uma excelente companhia e mais um membro da família. 

Lê também:

Comentar

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Subir ↑