Parece óbvio, mas é importante recordar que a Ásia é um continente. De facto, é o maior continente do mundo. Se reconhecemos que todos os países europeus são diferentes e contam com a sua própria língua e cultura, por que não ter a mesma consideração quando nos referimos ao continente Asiático?
Chamar orientais aos asiáticos há muito que é considerado errado – o oriente só existe por comparação com a Europa colonizadora que rumou em direção ao ‘sol nascente’. Timor-Leste, por exemplo, recebe este nome devido à presença portuguesa e foi a forma adotada pelos timorenses para distinguir esta parte da ilha da outra metade pertencente sem qualquer reserva à Indonésia.
Dizer que “é tudo China” não só é errado como é ofensivo. Por o Líbano no mesmo saco que o Japão demonstra desconhecimento e desrespeito por ambas culturas.
A divisão geopolítica da Ásia
Uma das maneiras mais comuns de dividir os 55 países que constituem a Ásia é a seguinte:
- Oriente Médio (17) – Arábia Saudita, Bahrein, Qatar, Chipre, Egipto (parte asiática), Emirados Árabes Unidos, Iémen, Israel, Irão, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Palestina, Síria, Turquia (parte asiática)
- Ásia Meridional ou Sul Asiático – às vezes conhecido como subcontinente indiano – (9) – Sri Lanka, Bangladesh, Índia, Afeganistão, Paquistão, Butão, Nepal, Irão, e Maldivas.
- Ásia Oriental (8) – China + territórios independentes de Hong Kong, Taiwan, e Macau, Mongólia, Coreia do Norte, Coreia do Sul, Japão,
- Sudeste Asiático (11) – Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Myanmar, Filipinas, Singapura, Tailândia, Timor-Leste, e Vietname.
- Comunidade de Estados Independentes (10) – Arménia, Azerbaijão, Bielorussia, Cazaquistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Quirguistão, Moldávia, e Rússia
Vivi em Singapura durante 5 anos e foi então que percebi muita gente pensa que “é tudo China”. Tive a oportunidade de visitar a Malásia, Indonésia, Tailândia, Japão e Dubai. Conheci pessoas da Índia, Bangladesh, Rússia, Filipinas e Israel.
Aprendi rapidamente que há várias ideias preconcebidas em relação a muitos destes países.
Mitos e generalizações
O Japão não é, no dia a dia, a superpotência tecnológica que estamos habituados a imaginar quando alguém fala de Tokio. Um exemplo? Os comboios são ultra rápidos e pontuais, mas a grande maioria das estações carece de escadas rolantes e tem apenas um elevador. Para quem viaja com uma criança isto complica a vida. A grande maioria das transações bancárias tem que ser feitas ao balcão e ainda se preenchem muitos papéis.
A tecnologia está muito mais inserida no dia a dia dos cidadãos da Indonésia, do Vietnam ou do Camboja, onde há aplicações para tudo e a velocidade das ligações é ultra rápida. A ilha de Bali já usava geolocalização para os táxis muito antes da Uber: de que outra forma se pode dar uma referência geográfica numa ilha onde as ruas não tem nome?
Nas ruas de Bangkok não há prostituicao a olhos vistos e ladyboys nas ruas a toda a hora. E ninguém tem que comer insetos se não quiser. Se quiser, estão disponíveis.
Os chopsticks só são usados em alguns países asiáticos (China, Japão, Coreia) e são todos diferentes. Uns mais pontiagudos outros mais redondos. No sudeste asiatico imperam as colheres e os garfos e na índia come-se sobretudo com as mãos.
No Dubai fiz vida de calças e top e com um lenço na mala caso fosse necessário. Usei biquíni na praia e vi muitas burkas e niqabs. Os transportes públicos são acessíveis e há carruagens só para mulheres. Clarifico: as mulheres podem ir em qualquer carruagem. Os homens não podem ir nas carruagens para mulheres. Muitos homens gostam de ir ao limite e por o pézinho do lado das mulheres. Só para chatear. E chateia muito.
Há países onde se come cão (China, Coreia do Sul) mas é cada vez mais raro e mais uma vez, não é obrigatório. Há que recordar que para nós em Portugal é normal comer vaca e que na Índia isso é um sacrilégio.
E assim com tantas outras coisas: usar máscara pode ser incómodo, mas é normal (e insisto antes da pandemia começar). No Japão, por exemplo, as máscaras são cortesia (eu estou doente e não quero que tu fiques) e não egoísta (não quero ficar doente porque as pessoas à minha volta podem estar). E nao se come só sushi. Um bom ramen cura qualquer constipação.
Em muitos países asiáticos o inglês é a segunda língua oficial, quando não a primeira. Assumir que a população não percebe inglês ou que escrevem tudo com rabiscos, é simplesmente ignorante. Há sotaques, claro. O sotaque indiano pode ser difícil de entender no início. Mas quem nunca teve encontros com a pronúncia do norte (canalizo Rui Reininho para dizer que os tontos chamam-lhe torpe) ou com o sotaque algarvio? Sapatilhas ou Ténis? Fino ou Imperial? Açorda ou Migas?
A Ásia concentra 60% da população mundial. Em tamanho, ocupa 9% da superfície total do planeta. Certamente podemos fazer melhor do que reduzir a Ásia a mitos.
Apesar de gostar do que escreveu e da forma como escreveu, a Ásia não é um país nem sequer um continente. Na realidade, por definição existe apenas um continente que se chama Eurásia, pois não existe fronteira geográfica entre um subcontinente e o outro, tal como acontece com o continente americano em que existe o sul e o norte e o central.
Quem acha que a Ásia é a China, ou esteve sempre fechado numa comunidade Amish na América do Norte, ou apenas vê TVI e não aprende nada para além dos programas de festas e big brothers.
Qualquer série da Netflix, qualquer programa do canal história, Odisseia, ou qualquer filme, mostra claramente que a China não é a Ásia, que o Japão não é a China. Que a Rússia e o Cazaquistão são Ásia e Europa, tal como a Moldávia e a Grécia. A Coreia do Norte e do Sul podiam ser dois continentes diferentes, de tão díspares que são as culturas, uma de um hiperealismo futurista e outra de uma ditadura retrógrada.
Dizer que «o oriente só existe por comparação com a Europa colonizadora que rumou em direção ao ‘sol nascente’» não só não quer dizer nada como é incorrecto. A Europa foi criada e conquistada aos romanos pelo hunos e godos que vieram da Ásia, mas ainda antes disso a cultura bizantina e, ainda anterior, helenística do Alexandre o Grande já tinha de certa forma orientalizado a Europa bárbara.
Mais uma vez volto a referir que compreendo de onde vem a necessidade de escrever este texto, mas o mesmo carece de explicações mais aprofundadas e, ao mesmo tempo que tenta desmitificara algo que eu não vejo no dia a dia, cria em si, outras falácias que deveriam ser evitadas.