Se há 5 anos atrás ainda me imaginava no Quénia? Creio que não. Mas aqui estou eu! E acho que o governo queniano devia adicionar o dia 1 de Agosto como feriado nacional por me ter aguentado aqui estes anos todos. Estou a brincar!
Na verdade, quem por aqui passa e fica durante um longo período de tempo sabe que o desgaste emocional e psicológico é bem maior que o cansaço físico e por isso sabe sempre tão bem voltar a Portugal de férias, na esperança de encontrar alguma normalidade e recarregar energias.
Mas não estou aqui para lamentar, mas sim para vos contar o que me fez apaixonar por este país. Por mais estranho que pareça, foi Kibera que me fez sentir em casa e que o meu lugar era aqui.
Kibera, “Chocolate City”
Kibera, território que pertence ao governo, é a maior favela de Nairobi, e de África, com cerca 2,5 milhões de habitantes. Também conhecida por “Chocolate City” devido à lama cada vez que chove, é neste frenesim que vão encontrar muitas famílias que deixaram para trás as suas aldeias à procura de uma vida melhor. Fala-se o kiswahili, os dialetos e poucos entendem o inglês.
Como já perceberam é enorme, eu diria, que é uma cidade dentro de outra cidade. Mas sempre em mente que pode faltar a água e/ou a luz.
Aqui não precisam de sair da favela para se deslocarem ao supermercado (claro se viverem como os locais), encontram de tudo e “à mão”. Para além do mercado diário que tem tudo o que possam imaginar, têm os restaurantes, as barracas de rua a vender fruta, vegetais, filmes, carvão, etc.. sem esquecer que há imensos transportes públicos, e sempre a buzinar.
Também vão encontrar das maiores lixeiras que já viram na vossa vida, a linha do comboio que às vezes tem de ser limpa, e ao fim do dia queimadas com as quais temos de aprender a gostar do cheiro a plástico queimado como o do combustível dos transportes.
Não esquecer que tempo é dinheiro e tudo vale dinheiro, papel, roupa, plástico, material que já não sirva, por exemplo metade de uma tesoura.
Hygge
Para os meus sentidos, em Agosto de 2016, Kibera foi o meu “hygge”, para quem não sabe é uma palavra dinamarquesa que representa o nosso bem-estar, conforto / aconchego.
Mas Kibera? Como assim? Sim, haviam tantos fatores que me remetiam para a minha infância que o meu cérebro sentia o tal aconchego.
Não, não cresci numa favela! Mas todas as viagens que fazia Luxemburgo – Portugal, e quem chega a Portugal sabe do cheiro característico que o nosso país tem, mas para além desse cheiro era o cheiro da aldeia, das queimadas, da minha avó servir o leite com o chocolate em pó na caneca de plástico (que sabor tão característico), e outros pequenos pormenores que até então não sabia que tinham tanta importância na minha vida.
Encontrei tudo isso aqui e, claro, o fato de ter tudo num só sítio e acabar até por conhecer os habitantes de Kibera tornando-os meus amigos ajuda muito para que se goste do local onde se vive.
Para muitos, Kibera é só mais uma favela, só mais um local de comércio. Para mim foi o que me fez sentir em casa apesar de todas as diferenças entre a minha realidade e esta realidade queniana. Acho que é um sítio interessante para visitar, não pela pobreza, mas sim para se entender o outro lado da moeda e como esta comunidade sem o apoio de ninguém conseguiu criar uma cidade.
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Magnifico depoimento.
Parabéns!