Sem dúvida 2020 será um ano que recordaremos para sempre e cujas histórias contaremos aos nossos filhos e netos. O ano ainda não acabou mas há muito que sabemos que não há nada de normal neste fim de década.
Não vamos esquecer as máscaras e o desinfetante, a distância física e as reuniões via zoom, os confinamentos e quarentenas, os testes (positivos e negativos). Mas sobretudo não esqueceremos como este ano nos fez sentir : tristeza, angústia, desespero, incerteza, medo. Estes são só alguns dos adjetivos que me ocorrem.
A maldita covid-19 a viver nos nossos pensamentos 24 horas por dia, a imperar em todas as decisões e movimentos: casamentos, viagens, férias, aniversários, festas de anos… tudo a ser adaptado a esta nova visão do mundo. Uma visão em que não abraçamos os nossos amigos quando os encontramos na rua, em que não podemos entrar na escola com os nossos filhos, em que temos que lhes explicar porque é que os museus estão fechados e não há festas de anos. Um mundo onde não sabemos quando poderemos viajar livremente outra vez e ver os nossos pais, irmãos, sobrinhos.
Privilegiados neste 2020 louco
A grande maioria de nós tem o luxo de ter um telhado sobre a cabeça, acesso a compras online, empregos que nos permitem ficar em casa ou beneficiar de boas condições de trabalho. Temos acesso à internet para telefonar à família e aos amigos, para ver programas de televisão sem limitações. Somos, no fundo, privilegiados no meio desta confusão. Não estamos em guerra. Não temos que fazer as malas a meio da noite e fugir de casa por causa de bombas ou balas. Estamos longe de ser refugiados ou prisioneiros.
E temos a grande vantagem de saber que tudo isto chegará ao fim. Não temos só esperança, sabemos que uma vacina vai dar a volta a isto e sabemos que teremos acesso a esse antídoto para o distanciamento físico que tanto nos incomoda. Sabemos que o número de casos positivos, de mortes e de infeções vão descer.
Nada podemos fazer pelos que já não estão, mas podemos continuar a dar o nosso melhor pelo resto, e podemos aprender e recordar para que não se repita.
Quando os abraços voltarem vão ser bem apertados. Quando nos pudermos juntar vamos partilhar refeições e contar segredos ao ouvido. Os miúdos vão brincar juntos e voltar à escola.
E vamos continuar a limpar e a desinfetar. Porque essa lição está aprendida e não será esquecida. Vamos continuar a passar um toalhete pelo carrinho do supermercado antes de o agarrar. As máscaras vão continuar nas malas e nos carros, e adotaremos a visão asiática de usar máscaras quando estamos doentes para não contagiar ninguém, familiar ou desconhecido.
Fevereiro de 2020: quando ainda éramos inocentes
Tive a sorte de estar na Ásia (Indonésia, Malásia e Singapura) quando tudo isto começou. Na altura, era uma coisa que estava a acontecer na China e a Europa vivia descontraidamente. Foi antes da Itália se tornar a antessala da crise europeia. Recordo dizer aos meus pais (em Portugal) para não se preocuparem, que não era nada de mais. Mas também recordo a preocupação a crescer… o medo de com tanta viagem por lazer e trabalho a família acabar separada. Eu estava com a minha filha em Bali, o meu marido em Kuala Lumpur por trabalho. A nossa casa estava em Singapura. Felizmente conseguimos reunir-nos e passar os meses que se seguiram juntos.
Singapura conseguiu gerir a pandemia bastante bem: confinamento absoluto, escolas fechadas, restrição de movimentos. Hoje, o país está a regressar à sua particular realidade onde os movimentos continuam a ser controlados para evitar nova crise.
Nessa altura já era eu a que ouvia o meu pai dizer para eu não me preocupar que eles estavam bem, em casa e só saíam para o indispensável. Enviei máscaras por correio antes de elas se tornarem acessíveis em Portugal. A impotência de não poder fazer mais era e é paralisante.
Infelizmente, como este 2020 não estava suficientemente complicado, a mim e à minha família ainda nos calhou a rifa de ter que deixar Singapura para regressar ao Reino Unido, onde já começou o segundo confinamento e o número de mortes não para de subir. Passámos de cavalo para burro. Com todos os seus defeitos, Singapura fez frente ao vírus. Aqui os políticos não sabem o que fazer, os cientistas são ignorados e as pessoas deixadas à sua sorte. Os sem-teto voltaram à rua depois do primeiro confinamento. Enfermeiros e médicos não tem equipamento para fazer frente ao número de internamentos e arco-íris nas janelas e palmas não substituem fatos e máscaras.
Ainda assim, sabemos que vamos sair desta. Porque temos que sair. Temos que nos adaptar. Temos que mudar. E vamos repetir alguns erros. Mas quando voltar a acontecer estaremos mais preparados. Nós: os cidadãos, as pessoas, os pais e mães, os miúdos.
Porque no fundo, as decisões são nossas e o poder é nosso. Não são os políticos que nos obrigam a lavar as mãos. Os políticos não dão aulas nem fazem consultas via zoom. Os políticos não trabalham de casa enquanto as crianças estão ao computador a aprender matemática e literatura. Os políticos não voltaram a aprender geometria e biologia para poder ajudar os miúdos com os trabalhos da escola. Os políticos não precisam de sacar do portátil para trabalhar mais umas horas depois de pôr os miúdos na cama.
Mas sobretudo, os políticos não fazem vacinas. A vacina vai chegar, talvez ainda este ano para que 2020 termine com uma nota positiva. E nós vamos exigir que chegue a todos. E nenhum político vai poder fazer frente a isso. Porque nesta distância social em que vivemos, aprendemos a lutar juntos pelas causas que nos afetam.
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Um depoimento claro, conciso e a reter por cada um de nós!
Que venham mais depoimentos como este!